Outros planos
O som desses sininhos balançados pelo vento vem da calçada de
lá, daquela casa com persianas que faz tempo receberam sua
última mão de tinta. Sininhos unidos por uma trama de cordões?
Ou algum desses móbiles aéreos feitos de pedras cristalinas
cortadas em fatias transparentes reveladoras de espirais
irregulares e concêntricas a irradiar cores que a vendedora na
loja esotérica diz ajudarem a viagem do espírito aos planos
astrais? Talvez seja verdade. A pausa já de quase um minuto
induzida por sininhos vindos da calçada de lá desligou meu
espírito da agitação do dia. Atravesso a rua ou a música é
mais transcendental a distância? “As gurias ali são boas,
foram trazidas do interior, carne de primeira, elas fazem
frente e verso por duzentos e cinquenta, uma hora”, o rapaz de
bigode ralo me deixa um cartão produzido com intenção de
aprumo artístico, Penélopes’s Drink. “As gurias são boas”, ele
reforça compenetrado em sua tarefa publicitária enquanto se
afasta. “Muito boas”, dois passos adiante. Sim, sim, obrigado,
eu só estava escutando os sininhos, pensava se minha mulher
gostaria de ter uns assim lá em casa. Acho que irei à loja
esotérica comprar um móbile e perguntar à vendedora se alguma
vez ouviu suas fatias finas de pedras mágicas cristalinas
balançando ao vento quando caminha pela cidade. |