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Narrar é
inseparável da condição humana, trata-se de uma construção de
sentidos para as experiências da existência. Isso inclui a
tentativa de ultrapassagem de contextos por meio da história
reconfigurada, isto é, interpretada de outro modo pela
narrativa, numa correlação que se faz como busca de
instituição de sentidos para a existência processada entre o
pessoal e o social. O tempo e o mundo tornam-se dimensões
acolhedoras do humano na medida em que são articulados de modo
narrativo, e a narrativa atinge um significado pleno, isto é,
satisfaz provisoriamente um anseio essencial, quando refaz o
ambiente da existência temporal. |
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Quando
salientamos as dimensões escalares e espaciais do social, abrimos
passagens a atenções para memórias coletivas e, assim, ampliamos nossa
percepção da dialética entre o recordar e o esquecer no movimento das
(des)construções históricas. |
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O modo de estar no espaço
geográfico é uma condição definidora para o modo de existir. Existe-se
em melhores ou piores condições conforme se existe no espaço
geográfico, com todos os seus contextos concretos e muito variáveis
oferecidos às existências. Representar espaços pode ser um elemento
fundamental na construção de narrativas. E cartografar pode ser um dos
meios mais decisivos para representar, reapresentar espaços. |
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Ainda que muitos
geógrafos antigos e modernos refiram-se à cartografia como um conjunto
de técnicas objetivas e – já que objetivas – supostamente isentas
quanto a juízos de valor, a narrativa cartográfica exige do cartógrafo
a busca de perspectivas (sim, narrativa cartográfica, não se trata de
erro de redação). O cartógrafo precisa escolher meios de representação
coerentes com as perspectivas que elege e, ao construir a lógica entre
escolha (princípio), representação e finalidade, o cartógrafo se torna
autor de uma narrativa visual.
O cartógrafo pode ter menos ou mais consciência de que está a seguir
uma determinada lógica ao unir finalidade e modo de representação
enquanto cartografa, mas que ele estabelece um pacto com essa lógica,
sim, ele estabelece. |
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Muitas ações
decisivas podem ser feitas sem a consciência da dimensão do que está a
ser feito. O cartógrafo realiza uma ação em direção ao que está para o
lado de fora de si – e também para dentro. Para fora, pesquisa o
espaço para o qual dirige o seu interesse, qualquer que seja a
natureza desse espaço. Para dentro, com menos ou mais consciência,
realiza um movimento enquanto sua mente trabalha em busca dos mais
convenientes ícones, dos mais convenientes tracejados, das melhores
representações para colocar no mapa, conforme o seu interesse,
conforme o que for o mais adequado para a ordenação da narrativa
visual que intenciona. Ele se põe em movimento também para dentro, com
menos ou mais consciência de que assim o faz. Talvez quase nenhuma
consciência, se é que tal, a quase completa ausência da consciência de
que “eu estou presente naquilo que faço”, seja de fato possível. |
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A consciência
sobre o feito tende ao zero enquanto se reproduz sem refletir sobre o
que se aprendeu a fazer. Mas é mesmo possível nenhuma autopercepção de
que escolhas são feitas no ato de cartografar, quer se compreenda ou
não que é também uma narrativa visual o que se está a organizar para
fazer aparecer isto e desaparecer aquilo? |
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A cartografia
nos convoca a um exercício cognitivo singular, pois, ao traçar um
campo de representações que podem ser problematizadas, requer uma
cognição capaz de inventar um mundo ao representar mundos que são
pedaços ou perspectivas do Mundo – este imensurável para além dos
milhares de quilômetros lineares ou quadrados ou cúbicos que medem seu
diâmetro, sua área superficial, seu volume planetário. |
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Aceitamos ou não
o chamado de cartografias a serem feitas e/ou analisadas? Cartografias
de mundos até então invisíveis? Trata-se de uma criação que se torna
viável mediante o encontro entre o pesquisador e o campo que o olhar
narrativo, geográfico e cartográfico institui como campo de
descobertas e representações. |
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